Muito se fala na questão da "reabilitação visual" para pessoas que possuem Visão Subnormal - que consiste em técnicas para que o paciente aprenda/reaprenda a utilizar seu resíduo visual de forma mais funcional, extraindo o "que puder" da capacidade visual que possui.
No entanto, fiquei pensando: "-E para a galera com Síndrome de Irlen (outro tipo de problema de visão), será que existe 'treinamento visual' adequado, para que o paciente use o máximo da capacidade visual que ele tenha? (Afinal ,pacientes com Visão Subnormal e com Síndrome de Irlen têm necessidades diferentes - desde, obviamente, que não tenha concomitância de ambos os quadros clínicos, rerrerré!)
Enviei, então, uma mensagem na página do Hospital de Olhos de Minas Gerais (instituição que é referência em tratamentos oftalmológicos, incluindo Síndrome de Irlen!!!), através da conta do facebook da minha fanpage "Driblando e Vencendo a Síndrome de Irlen"). Quis tirar essa dúvida, uê... afinal, deve ser a dúvida que também é de muita gente que lê este blog e a minha fanpage, não é? =)
"Boa noite! Fiquei com uma dúvida! Normalmente, pacientes com visão subnormal têm a oportunidade de aprenderem técnicas de "Estimulação Visual" - nas quais a pessoa aprende a utilizar melhor seu resíduo visual e a interpretar/explorar o mundo através dos borrões e manchas que costuma perceber com os olhos. B-) Gostaria de saber se existe técnica de Estimulação Visual específica para quem possui Síndrome de Irlen (e, em caso positivo, se vocês oferecem esse tipo de treinamento.) Afinal, o paciente com SI (sobretudo quem foi diagnosticado depois de adulto) passa anos e mais anos enxergando de maneira "errada" sem os óculos (e, em casos mais graves, usando até mesmo formas sensoriais alternativas para compensar a falta de habilidade de visão funcional, tais como aprimoramento da capacidade auditiva por exemplo.) Assim sendo, quais as orientações para que o paciente, já com seus óculos, aprenda a treinar seu cérebro para ter melhor interpretação visual daquilo que os seus olhos passam a captar? B-) Aguardo um retorno... quem sabe isso irá ajudar muita gente?? Desde já, obrigada... e bom trabalho! "
O questionamento foi muito bem recebido, e foi encaminhado para a Dra. Márcia Guimarães, especialista em Síndrome de Irlen. Ela respondeu minha pergunta por e-mail, em uma linguagem fácil de ser entendida por leigos - e gentilmente autorizou a publicação de sua resposta aqui no blog - para esclarecimento dos leitores!!! :-D
Com a palavra, a doutora!!!
"Prezada Débora,
Como sempre vc nos traz perguntas interessantes relacionadas à Sindrome de Irlen e Visão, com seus processos de analise cerebral e integração sensorial com outras áreas e habilidades.
Sua motivação em esclarecer dúvidas e trazer novas informações aos portadores de déficits no processamento visual é de extremo valor todos nós.
Esta sua pergunta extrapola um pouco porque envolve conhecimentos técnicos de quem trabalha na área e por isto a resposta será simplificada para ser compreendida por todos os seus seguidores do blog, que, sabemos são mmuuiiiittttoos.
Na visão subnormal existem barreiras de natureza medica como por exemplo o não desenvolvimento por falta de estimulo ou anatomicamente que impedem a visão - a pessoa não enxerga como as demais precisando de letras maiores, de estimulação tardia para tentar recuperar o que se perdeu, etc.
O problema está no "hardware do cerebro, nosso super computador" . Mal comparando, como na dislexia do desenvolvimento onde algumas áreas podem não ter se formado satisfatoriamente dificultando as redes sinapticas posteriores ou em acidentes, traumatismos ou doenças que lesam uma parte do cerebro produzindo quadros neurologicos especificos.
Na maior parte dos casos tentamos estimulos pelas rotas indiretas, áreas vizinhas às que se perderam ou que poderiam ser ativadas para apoio etc. As respostas são mais lentas e demoradas quando possiveis... por isto os estimulos devem começar precocemente.
O grau de apoio depende da gravidade de cada caso porque realmente há pacientes que dependem de auxilio para a maior parte das atividades de sua rotina diária - nem se fala em leitura em certos casos. Após um certo nivel de perda já existe termos técnicos para designar o grau de incapacidade e cegueira funcional com critérios médicos rigorosos porque implicam em grau de deficiência, aposentadoria, ajustes laborais etc.
Infelizmente visão subnormal quase sempre significa irreversibilidade - e procura-se auxilios que os ajudem a ser mais independentes preparando-os para uma melhor adaptação à sua condição visual, que é muitos casos se agrava progressivamente.
Existe luz no fim do tunel ? Claro que SIM - certamente a medicina genetica, as celulas tronco, a nanotecnologia , os microchips implantados estão aí nos mostrando um horizonte muito promissor.
Os avanços neurocientíficos estão dando um apoio inestimavel à nossa compreensão sobre como funciona o cerebro, como ele aprende e sobre a neuromodulação ( outras áreas sendo "desviadas" de sua função original como são os chips implantados na lingua que ajudam os pacientes a se desviar de objetos ( vide you.tube) e outros metodos sensacionais e antes inimagináveis.
Na Sindrome de Irlen existem deficits no " funcionamento" , o problema está no 'software visual' .Ao corrigirmos as áreas com estimulação atipica, há um aprimoramento visual percebido pelo paciente que é inclusive capaz de descrever o que e como melhorou e de retirarmos o recurso, que são os overlays e os filtros, o paciente volta a ter o desconforto, a distorção previa. [MINHA OBSERVAÇÃO: Adorei esta analogia com ''hardware'' e ''software'' que a Doutora Márcia utilizou ... já que sou estudante de Ciências da Computação, rerrerré!!! Sem contar que fica mais didático para muita gente, já que a Informática está fortemente presente no dia-a-dia da população em geral também.]
É isto que testamos nos Screenings para Sindrome de Irlen. A melhora é vista na hora em que se identifica a distorção e se coloca o overlay corretamente selecionado pelo paciente.
O paciente "deixa de ver errado", descobrindo que habitualmente o texto não treme, não se apresenta ofuscado, embaçado, não ondula, etc. e é por isto que ele não conseguia ver com qualidade ao contrário dos demais.
Lembre-se que os pacientes com disturbios de processamento geralmente veem as letras corretamente ( quando precisam de usar grau, se forem miopes, hipermetropes etc devem usar os oculos para fazer os testes - mas uma vez corrigidos enxergam sem dificuldade letras pequenas, grandes, coloridas, palavras e objetos, etc). A visão é aprendida e toda criança em seu desenvolvimento desde o berço, brincando com o mobile, a chupeta, a bola, o quebra cabeça, os lapis de cores vai "treinando" sua integração sensorial e cordenação visuomotora, visuoatencional, visuoauditiva, visuoespacial, temporal, etc.
O que é critico, mesmo nos casos mais graves, é se adaptar à intensidade de estimulos sensoriais concomitantes com variações de luminância no ambiente e usar a visão em sua plenitude. Exemplos: ler, anotar e ouvir ao mesmo tempo, movimento do carro e acompanhar pessoas na calçada, dirigir ouvir e perceber os carros à volta, etc. luzes flourescentes em cima do texto e ler, compreender e memorizar , coordenar a movimentação rapida dos olhos durante a leitura com luzes flourescentes piscando em cima e barulho do ventilador ou ar condicionado e os colegas conversando à volta, e por aí afora.
Se um caso de Sindrome de Irlen não tiver outras co-morbidades neurologicas que o limitem como baixo desenvolvimento neuropsicomotor , retardo mental, surdez, etc é natural que, com o tratamento neuromodulador ( que retira seletiva e individualmente as faixas de luz espectral mais hipersensibilizantes ) haja uma expansão progressiva do potencial visual no que refere atodas as habilidades visuais envolvidas - ppte se houver uma equipe multidisciplinar para estimular o correto aprendizado que pode ser de uma terapeuta ocupacional ou da professora alfabetizadora a ajuda-lo na recondução de sua plena cidadania. A Síndrome de Irlen afeta a leitura, a coordenação em esportes, a escrita, a condução de veiculos, a produtividade geral por causa do desconforto crescente em tarefas de maior demanda visual produzindo as cefaléias, enjôos, cansço etc.
Aí está a grande contribuição : Sindrome de Irlen tem solução - de forma não invasiva e de baixíssimo custo(*) considerando o grau de recomposição possivel na vida do paciente tanto na parte academica quanto laboral e social. [ (*)Minha observação: entende-se que, aqui, a Doutora Márcia se refere às "overlays", que são lâminas de acetato coloridas especiais, que são colocadas sobre a folha de papel branca a ser lida. Elas custam cerca de R$ 20,00! Já os óculos de Irlen, por sua vez, têm uma tecnologia de fabricação bem mais complexa, o que eleva o custo deles.]
Aqui na Fundação Hospital de Olhos - cada paciente tratado e que volta nos contando o quanto a vida mudou pela produtividade e conforto em todas as atividades é um presente que ganhamos. E ainda bem, ganhamos ( a equipe toda) presentes todos os dias.
A vida só vale a pena quando tem sentido - e ajudar alguem como fazem nossas screeners todos os dias pelo Brasil afora dá sentido e gratificação a todas nós.
Agradeço mais uma vez, Debora pelo seu trabalho em divulgar sobre o tema.
Abraço,
Dra. Marcia Guimarães "
Legal, não é? Não só ela explica de forma didática as diferenças entre Visão Subnormal e Síndrome de Irlen, como também mostra as perspectivas para que cada tipo de paciente possa extrair o máximo do potencial visual que possui!
Fica aqui meu agradecimento à Dra. Márcia Guimarães pelo esclarecimento tão didático (e pelo tempo despendido em redigi-lo, rerrerré!) e também à equipe de apoio do Hospital de Olhos de Minas Gerais, que deu sua contribuição em ler a mensagem, encaminhá-la à Doutora Márcia e encaminhar, posteriormente, a resposta dela a mim. :-) Um abraço a todos!!!
E você, leitor, o que achou? Comente aí abaixo!!!
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