segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

CARREIRA ACADÊMICA E DEFICIÊNCIA: SERÁ QUE "DÁ"?

Por: Débora Rossini

Se você é um estudante universitário com deficiência – sobretudo de universidade pública- este post é para você mesmo!!!!! Digo “sobretudo de universidade pública” porque tais instituições costumam dar bastante atenção não só ao ensino, mas também à pesquisa e a projetos de extensão. Em tais instituições, tem -se a “cultura” de preparar o aluno não só para o mercado, mas também para a carreira acadêmica (mexer com pesquisa, fazer mestrado e doutorado, etc.) Isto porque boa parte das atividades de pesquisa, no Brasil, são realizadas em universidades públicas.

Neste post, o conteúdo está mais focalizado para a deficiência VISUAL – pois é ela que, a princípio, parece ser a que mais prejudica o aluno na hora de estudar, devido à pouca acessibilidade a material escolar e acompanhamento das aulas num sistema de ensino que prioriza a visão. Mas se você é uma pessoa com deficiência de outras categorias (auditiva, motora, etc), esteja à vontade para ler este post e verificar possíveis identificações com ele! Afinal, o surdo tem dificuldade de acompanhar palestras, aulas expositivas e conversas; o deficiente físico tem limitações de acessibilidade arquitetônica... que, de uma forma ou de outra, podem prejudicar o”andamento” das atividades cotidianas... certinho? ;-)

Assim sendo, você já deve ter ouvido de seus professores – e de colegas mais experientes- a “formulinha de sucesso” para seguir carreira acadêmica:

Tire boas notas, e mantenha um coeficiente de rendimento acadêmico alto – pois, para concorrer a uma bolsa de iniciação científica, um dos requisitos é ter notas muito boas. Em seguida, procure um professor que tenha algum projeto de iniciação científica em andamento e peça para ele te aceitar como orientado dele (ou se você quiser, pode escrever seu próprio projeto de pesquisa e levar para um professor te orientar nele.) Participe também de congressos (mesmo que isso implique em ficar viajando constantemente), participe de simpósios, não perca o que está “rolando” em sua área, participe de programas de monitoria, e... bola pra frente, porque isso tudo conta numa seleção de mestrado. Ah! E se você não fez curso de inglês quando era adolescente, 'bóra' matricular num curso para adultos, porque isso é requisito para se virar na carreira acadêmica!”


A uma hora dessas, você já deve estar pensando assim:

AAAAAAAFFFFFFFF!!!!! Então quer dizer que, por eu ser alguém com deficiência visual, não 'sirvo' para a carreira acadêmica?
Mal tenho acesso a livros didáticos e nem sempre tenho monitor para me ajudar, o que faz com que eu passe nas matérias com notas 'raspando' na média; sou mais lento para estudar, o que faz com que eu gaste o dobro (ou o triplo) de tempo que os meus colegas, para fazer as mesmas atividades e estudar para as mesmas provas... com isso, não tenho tempo para ficar participando de atividades extras, pois o tempo mal dá para eu me preparar para as atividades obrigatórias do curso e passar de ano.

Além disso, como vou participar de congressos e eventos extras, sendo que, tendo deficiência visual, não dá para acompanhar apresentações em Power-Point e explicações esquematizadas na lousa? Ao contrário dos professores com os quais estou acostumado, o palestrante não vai saber como lidar com um 'ceguetinha' ali, na frente dele...!

Além do mais, não dá para eu ficar viajando constantemente, pois isso toma-me dias que eu tenho de faltar as aulas e depois tenho de ficar igual doido correndo atrás de matéria atrasada, ainda mais que sou mais lento para estudar; já não me bastam eventuais vezes que, por conta da minha limitação, tenho de viajar para fazer tratamento médico, perder dias de aula e ficar correndo atrás de matéria atrasada? Isso sem contar que a gente faz planos de viajar para um outro lugar, 'feliz da vida', e quando chega no local de destino, tem pouca ou nenhuma acessibilidade para pessoas com a minha limitação!!! Aí não dá para aproveitar plenamente o evento!!! ”


Tais argumentações hipotéticas, que devem frequentemente passar pela cabeça de estudantes com deficiência visual, devem também acometer, por exemplo, quem tem limitações relativas à audição (pela dificuldade de acompanhar conteúdos expostos oralmente, pelas eventuais ausências às aulas por tratamentos de saúde que acarretam acúmulos de matérias para pessoas que já são lentas para estudar), e relativas à locomoção (como conseguir acomodação e acessibilidade em lugares desconhecidos a serem frequentados? Tem banheiro, hotel adaptado? Dependendo da causa da limitação física, têm menos tempo livre para estudar e fazer outras atividades como as listadas acima, por terem de frequentar exaustivas sessões de fisioterapia e tratamentos médicos, além de eventualmente terem de viajar para fazer consultas...) E aí?

Bom, meu estimado leitor: se você faz parte da galera com os problemas acima, relaxe! :-) Este post é um pouco longo, mas leia até o fim: quem sabe ele pode te inspirar para algumas soluções?

Primeiramente, você tem de pôr na cabeça que você não é IGUAL aos seus colegas , que têm o “padrão” de “normalidade” (hã???!!!) que possibilita atender à risca àquela “formulinha de sucesso” mostrada acima. Ou seja, você precisa compreender que é “configurado fisicamente” diferentemente deles... mas que, NEM POR ISSO, É MENOS CAPAZ”! ;-) Sacou, meu amigo? Em outras palavras: você tem um ritmo e tempo diferentes, e que, respeitando isso daí, você pode, SIM, seguir uma carreira acadêmica de sucesso. Basta valer-se de algumas estratégias!!!! Sendo assim, seu jeitão de se organizar para “correr atrás” do sucesso pode até ser diferente dos seus colegas... mas o resultado final PODE, SIM, SER O MESMO! E é isso que importa!!! Manjou? A "formulinha" dada acima necessita apenas de algumas adaptações, no seu caso!!!  

Tá, mas como?” - você deve estar pensando.

Simples: a solução consiste em adequar as atividades acadêmicas às suas limitações e habilidades. Veja só: vamos analisar a “formulinha de sucesso” passada anteriormente, passo a passo?

Tire boas notas, e mantenha um coeficiente de rendimento acadêmico alto – pois, para concorrer a uma bolsa de iniciação científica, um dos requisitos é ter notas muito boas.”

Isso daí é o básico – e que, certamente, já é uma “labuta” para você, né? Dica: em vez de puxar um número alto de disciplinas por semestre, puxe menos! Se estão marcadas, lá para o seu período letivo, umas 6 disciplinas, não matricule-se nelas todas: escolha umas 4 ou 5, conforme o grau de dificuldade que elas mostram. Procure equilibrar disciplinas com maior grau de dificuldade com aquelas que sejam mais fáceis (peça ajuda ao coordenador do seu curso para isso, se for o caso). Lembre-se que para, pessoas como você, é preferível demorar um semestre ou dois a mais para se formar, mas fazer as matérias bem feitas, a ignorar o seu ritmo diferente dos seus colegas e... puxar aquele tantão de matérias, mas ter dificuldade de dar conta delas!!! Ah! Pela lei da Educação Inclusiva, estudantes universitários com necessidades especiais TÊM DIREITO a um prazo de integralização curricular maior!!! Não se preocupe!

Infelizmente, para poder ter direito a bolsa de iniciação científica, as agências de fomento exigem notas ALTAS, sim... independentemente de você ter dificuldade de aprendizagem e só conseguir tirar notas menores, por maiores que sejam seus esforços... :-( Então, o jeito é batalhar mesmo!

DICA ESPERTA: Tendo limitações ( sobretudo visuais ou auditivas) procure “garantir” notas mais altas logo no INÍCIO do semestre... pois, no fim deste, além de você estar sobrecarregado de atividades nas quais nem sempre dá para seu professor lhe conceder prorrogação de tempo para entregar, os monitores e colegas que porventura te ajudem certamente estão atarefados também, desesperados para passar de ano!!! (Risos.) Então, faça o inverso do que a maioria dos estudantes faz: garanta nota ALTA no início, pois, se no final você der o azar de ter poucos recursos de ajuda, não te prejudicará tanto. (Embora o CERTO seja o estudante com necessidades educacionais especiais ter garantia integral de ajuda do início ao fim do semestre, eu tô trabalhando aqui com a hipótese REALISTA que infelizmente, frequentemente ocorre).

Em seguida, procure um professor que tenha algum projeto de iniciação científica em andamento e peça para ele te aceitar como orientado dele. (ou se você quiser, pode escrever seu próprio projeto de pesquisa e levar para um professor te orientar nele.)”

Conforme eu disse no parágrafo anterior, se não tirar nota alta, não tem bolsa. Mas vá que , por motivo de força maior, você não consiga desfilar por aí com coeficiente de rendimento acadêmico maior que 80: se seus professores verem que você é esforçado e que tem potencial, eles podem te dar uma chance como colaborador de algum projeto que eles já tenham em andamento. Você pode até não ganhar uma bolsa, mas ganha experiência, que pode ser aproveitada posteriormente na hora de incluí-la em seu currículo.

Vale também inscrever em programas de Iniciação Científica Voluntária. Como o nome diz, você não receberá bolsa... mas receberá certificado de participação, além da experiência! Para essa modalidade de iniciação científica, as exigências de notas são um pouco menores... e de horas semanais de dedicação à atividade também! (Bom que sobra tempo para você fazer outras coisas de que necessita, né?)

DICA ESPERTA: procure um tema que você tenha conhecimento aprofundado e/ou interesse grande. Vão aumentar as chances de se envolver intensamente com a atividade, fazer um trabalho bem feito e ter sucesso!!!!

Participe também de congressos (mesmo que isso implique em ficar viajando constantemente pra lá e para cá), participe de simpósios, não perca o que está “rolando” em sua área, participe de programas de monitoria, e... bola pra frente, porque isso tudo conta numa seleção de mestrado.”

Sim, isso é bom para sua formação, e para turbinar seu currículo! Mas vá que você disponha de menos tempo que seus colegas – 'ditos normais'- , pelo fato de gastar o dobro de seu tempo para estudar (devido a dificuldades de aprendizagem e de acesso a material didático adaptado), de ter de dedicar horas da sua agenda semanal a tratamentos médicos e/ou de reabilitação (“que você 'poderia' estar usando para estudar ou fazer atividades de enriquecimento curricular”)... e vá que também já necessite, eventualmente, de ter de ficar viajando para fazer tratamento médico (o que implica em um tempo a mais “consumido”, matérias a mais acumuladas para você, que já é lento para estudar, ter de correr atrás)... ou, então, vá que os locais de destino não tenham acessibilidade adequada para te receber... aí fica realmente inviável para você, estudante com deficiência, participar de eventos acadêmicos extracurriculares no mesmo ritmo que seus colegas!!! (Quem é, ou já foi deficiente/pessoa com necessidade educacional especial, sente bem na pele o que é isso...!!!)

DICA ESPERTA: Procure otimizar a sua escassa disponibilidade de tempo da seguinte forma: durante o semestre letivo, dê preferência, ao máximo, de participar de eventos dentro da sua própria universidade ou então de outra que seja mais perto (há inclusive cidades com mais de uma universidade pública – como São Carlos/SP, por exemplo, que tem a USP e a UFSCAR no mesmo município!) Isso evita gastos desnecessários de tempo para alguém que já tem MAIS compromissos e escassez de tempo que uma pessoa sem deficiência!

Ah, tá, mas é bom ver o que 'tá rolando' em outras universidades, também em outras cidades... e eu QUERO ver!!!” - você deve estar pensando.

DICA ESPERTA: diversas universidades promovem “cursos de verão”, cursos de inverno” que são eventos acadêmicos realizados em períodos de férias. Assim sendo, aproveite! Dessa forma, você poderá conhecer outras universidades, se assim desejar, sem atrapalhar sua tão atribulada rotina! Aí dá para você entrar no “busão” e viajar despreocupadamente!!!!!!
Exemplos de eventos de férias: Curso de Verão do DEX – UFLA , anualmente realizado no mês de janeiro, com minicursos e eventos para estudantes de Matemática e Física; Escola de Verão em Computação(EVCOMP) da UFMG, que terá sua segunda edição em janeiro de 2013.


Ah, mas tem um amigo/conhecido/colega meu que tem lá as necessidades especiais dele,  e nem por isso deixa de pôr a mochilinha nas costas e viver viajando pra lá e pra cá durante o semestre letivo, para participar de cursos...” - você pode eventualmente deparar com uma situação dessas e ficar pensando assim.

Meu querido leitor, antes de ficar lamentando que você não é igual a esse indivíduo hipotético, questione-se: Qual o curso que esta pessoa faz? É da mesma área que o seu? Qual a carga horária de estudos (em sala de aula e extraclasse) dele? Será que as especificidades dele, por ser alguém com deficiência e estudante, são iguais às suas?

Cada indivíduo é único... então leve isso em conta! Nada de ficar comparando-se com os outros. Mesmo que a limitação do outro seja da mesma categoria que a sua, há inúmeras particularidades entre uma pessoa e outra! Manjô? ;-)

Ah! E se você não fez curso de inglês quando era adolescente, 'bóra' matricular num curso para adultos, porque isso é requisito para se virar na carreira acadêmica!”

Ah, meu filho, disso aí não tem jeito de fugir não: VÁ fazer o curso de inglês – nem que seja o instrumental a princípio- sem “mi-mi-mi”... Mas se você encontra dificuldades por ser alguém com deficiência (de aprender a ortografia, por ter problemas sérios de visão; o som correto das palavras, por escutar pouco ou nada; dificuldades de locomoção para frequentar o curso, por falta de potência da visão ou do aparelho locomotor...), verifique a opção de fazer o curso com professor particular (que atenderá melhor as suas especificidades e necessidades de acordo com o seu objetivo). Posteriormente, quando você estiver “mais seguro” , aí sim, procure uma escola de inglês conceituada; aí, você poderá “eliminar conteúdos” matriculando-se em um nível mais avançado, e obter certificações de proficiência no idioma (úteis na hora de comprovar formalmente conhecimento do idioma).

E então, leitor? Tá mais tranquilo? Agora não tem desculpa não: se você QUER seguir carreira acadêmica, vá sem medo!!!

Se você ainda acha que isso é utopia, veja aqui alguns exemplos de pessoas com deficiência/necessidades educacionais especiais, que possuem limitações sim... mas que têm inúmeras habilidades e talentos, também!!!! Clique nos tópicos abaixo para ler um pouco mais sobre essas pessoas:


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2 comentários:

  1. Débora seu post está ótimo. Falta tão somente você utilizar a terminologia correta atualmente. Assinamos a convenção da Onu, e temos metas a cumprir urgentes, uma delas é não usar mais a palavra deficiente. Sempre devemos utilizar a palavra pessoa com deficiência .... por exemplo no seu texto: se você é uma pessoa com deficiência visual.... etc.
    Abraço grande...

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    1. Valeu pelo lembrete!!! :-) Já reeditei o post acima. Muito obrigada!!! ;-)
      Na verdade, os termos "adotados como corretos" mudam constantemente, numa velocidade muito rápida... rsrsrs!!!

      Pena que a realidade vivida pelas pessoas COM DEFICIÊNCIA (agora sim, usando o termo que é aceito atualmente) cuuuuusta a mudar... :'-( Entra ano sai ano, tais pessoas infelizmente tem de conviver com falta de acessibilidade (tanto em termos de infra-estrutura quanto de atitudes das outras pessoas)... com preconceito... com dificuldades para estudar e arrumar emprego... :-(

      Porém, não podemos desanimar diante de tudo isso! Vamos batalhar para que um dia, as pessoas com deficiência tenham a mesma qualidade de vida das pessoas sem deficiência... quando isso ocorrer, nem haverá mais necessidade de, constantemente, trocarem-se os termos utilizados para definir tais indivíduos na tentativa de diminuir certos estigmas... (Conheço gente com deficiência que afirma isso, rsrsrs!)

      Abraços! ;-) E continuem lendo e divulgando o blog!!! :-D

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