Por: Débora Rossini
Todos os dias, em diversas partes do
mundo, milhares de pessoas acabam perdendo a visão -seja parcial ou
totalmente. As razões são diversas: desde doenças congênitas, que
se manifestam depois de vários anos, até causas não-naturais -
como acidentes, por exemplo.
Claro que o fato de uma pessoa ficar com
a potência visual reduzida ou nula “mexe” bastante com o
emocional dela... e COMO!!!!!! Imagina a sensação de tentar se
organizar mentalmente, para o fato de ter de aprender a fazer as
coisas de outra forma, usando os sentidos remanescentes, (através de
cursos de reabilitação)? Ou mesmo de ter de deixar de fazer coisas
de que gostava (ex: dirigir, desenhar, pilotar motos, etc)?
Realmente, é um momento delicado na vida de alguém que acaba
entrando para o mundo dos que têm falta de potência visual. Mas
isso não significa que a pessoa tem de entrar num casulinho e dar
“tchau” para o mundo lá fora, passando a ficar só de pijama o
dia inteiro dentro de casa dormindo ou ouvindo rádio!!! Se você,
leitor, faz parte da turma que enxergava e que passou a não poder
contar mais com a potência dos “zôio”, vá lendo ou ouvindo
este texto até o fim!
Por estes dias, vi no blog do Jairo
Marques um mini-guia com dicas para quem se tornou cadeirante. Achei
muito legal a ideia dele... pois foi escrito de uma forma didática,
descontraída, leve e fácil de entender – principalmente para o
público-alvo do texto dele, que são pessoas que estão ávidas por
instruções para seguirem com suas vidas - apesar do “contratempo
com o aparelho locomotor”! Inspirando na ideia dele, resolvi fazer
algo parecido aqui no “Sopa”-
ou seja, um manual básico para quem
se tornou deficiente visual!
;-) Ó, já vou avisando: aqui neste blog não tem espaço para
depressão não, rerrerré! A forma bem-humorada de escrever sobre
algo que - a princípio- bota pra baixo qualquer pessoa que tá com
situação oftalmológica “complicada” é, justamente,
para descontrair tais pessoas …
e mostrar-lhes que há vida,
sim, após um diagnóstico oftalmológico pra lá de chato! Então,
segue-se o “Guia do Calouro
no Mundo Não-Visual!!!”
Para facilitar a leitura, vou fazer o
texto no formato de “Perguntas & Respostas”, ok? Imagino que
as perguntas formuladas abaixo são aquelas que, por coincidência,
são as mais frequentes na galera que perdeu ou tá perdendo a
visão... e que é o público-alvo deste post!
1-“É verdade que, daqui pra
frente, posso me considerar um coitadinho(a), que vai ficar em casa
só de pijama, sem poder estudar ou trabalhar, e que a única opção
de ganhar algum dinheiro é com o benefício do governo?”
Que nada, meu filho! Hoje em dia, com o
tantão de leis relativas à Inclusão e Acessibilidade, pessoas com
deficiência – incluindo a visual!- podem trabalhar e estudar! Hoje
há diversas tecnologias assistivas destinadas a dar uma mãozinha
para pessoas como você! Já falei de várias delas aqui no “Sopa”,
e a galera lá do site Movimento Livre também “manda” muito bem
no assunto. Vale a pena ler, usando recursos de ampliação e/ou
leitor eletrônico de telas! Caso você ainda não tenha feito curso
de Informática específico para deficientes visuais, peça alguém
para ir lendo o conteúdo do site para você. Tenho certeza de que
sua “animação” vai aparecer e, gradativamente, irá aumentar!!!
Quer um exemplo de pessoa com
deficiência visual, adquirida depois de adulto, e que mesmo assim
foi “tocando sua vida” normalmente? Clique aqui!!!
2-“Tô numa'deprê' geral...
não quero saber desses 'blá-blá-blá' de Tecnologias Assistivas,
nem de Braille, e nem de reabilitação. Quero meus olhos funcionando
direitinho, de volta, pô ! O pior é que já fui em vários médicos
e todos dizem que meu caso é irreversível...! ”
Especialistas em comportamento humano
afirmam que, em situações de perda visual (e de outros tipos de
perda também!), há três fases que a pessoa vivencia. A primeira é
chamada de “luto” ou não-aceitação (como a mostrada na
afirmação acima); e é frequente sobretudo quando a perda da visão
é repentina e a pessoa não estava preparada para ela (ex: em caso
de acidente, alergia grave, intoxicação, etc.). A fase seguinte é
aquela na qual a pessoa agarra-se a toda e qualquer possibilidade de
cura, mesmo “milagrosa”, para o problema dela, botando esperanças
em algo que pode não ser possível de se concretizar. Já na
próxima, a pessoa “amadureceu” mais suas emoções envolvidas no
processo de perda visual – e tem mais maturidade para lidar com os
desafios da sua “nova vida”. Quando a pessoa já “se aceita”,
fica mais fácil para ela fazer novas descobertas no interessante
mundo da Orientação & Mobilidade (embora algumas pessoas com
baixa visão não cheguem a necessitar fazer esse curso), da
Informática Adaptada, do Braille... Aos poucos, virão novas
descobertas: a de poder utilizar os sentidos remanescentes, por
treino, para compensar o déficit visual... a de desenvolver
habilidades de orientação espacial... a de aguçar inclusive sua
capacidade de memória (fácil entender o porquê: você não terá
papelzinho com tudo escrito para você a qualquer hora; portanto,
vai, por treino, desenvolver sua memória um tantão!!! ) Rerrerré!!!
E se você for uma pessoa extrovertida, vai acabar aprendendo também
a fazer “piadas de cego” com sua própria condição, com o
intuito de descontrair as pessoas normovisuais à sua volta – que,
por sua vez, perceberão que você tem senso de humor, e que acabarão
por querer fazer amizades com você!!!
3-“O que significa cada um
dos cursos mencionados no parágrafo anterior?
O curso de Orientação e Mobilidade é o
curso que se faz para aprender a andar com a bengala-branca. Ou você
pensou que é só comprar uma bengala e sair batendo por aí, sem
técnica nenhuma? Rerrerré! Assim como existem cursos para aprender
a andar de carro, de moto, existem cursos para aprender a andar com a
bengala!!!! (A diferença é que você não precisa ter carteira para
sair por aí com a varinha branca... rerrerré!) A finalidade de tal
curso é aprender a se deslocar com o apetrecho, usando técnicas de
orientação espacial adequadas, a fim de evitar ficar perdido por aí ou de sofrer acidentes desnecessários.
Já o curso de Informática Adaptada a
cegos é para você aprender a utilizar os softwares de leitura e
ampliação de telas. Tais softwares requerem o aprendizado de teclas
de atalho e de navegação, que são utilizadas para diversos
comandos... afinal, quem não enxerga não vai ter condições de
utilizar o mouse, certo?
Curso de Braille: o nome diz tudo , né?
Através de técnicas adequadas, a pessoa aprende a estimular seu
tato para aprender a ler em alto-relevo. Também aprende a escrever
no referido sistema, através da “dupla dinâmica” constituída
pela regléte e pelo punção. Pode também aprender a escrever na
máquina de datilografia Braille (a máquina Pérkins é a mais
conhecida).
Tem também um curso chamado de AVD
(“Atividades da Vida Diária”), cuja finalidade é capacitar a
pessoa com deficiência visual a ser independente e autônoma para
fazer tarefas domésticas, pequenas obrigações, vestir-se e
alimentar-se, etc. (Obs.: nem todo deficiente visual necessita fazer
esse curso; geralmente, quem tem baixa visão consegue reaprender a
fazer tarefas do cotidiano sem precisar de treinamento formal. Mas,
para cegos “completos”, é interessante ver o que esse curso pode
proporcionar!)
4-“Vou aprender Braille
rapidão, para ser um devorador/a de livros?”
Isso varia de uma pessoa para outra. Tem
gente que aprende mais rápido, tem gente que demora um pouco mais.
As variáveis a serem consideradas são diversas: idade em que se
perdeu a visão; condições gerais de saúde (sim!!! Quem é cego e
tem diabetes tem seu tato, infelizmente, DIMINUÍDO justamente por
causa da diabetes!); fatores psicológicos; dentre outros.
5-“Pode acontecer de algum
estabelecimento de ensino se recusar a me aceitar só porque sou
'ceguetinha', alegando que não tem condições nem infra-estrutura
de me receber?”
É LEI, meu amigo: TODA instituição de
ensino – seja pública ou particular, independentemente de ser de
educação básica, média ou superior- TEM DE aceitar o aluno,
independentemente de ele atender ao “padrão de normalidade física”
ou não!!!! Caso alguma instituição de ensino recuse sua matrícula,
não pense duas vezes: procure orientação jurídica e faça a Lei
da Educação Inclusiva valer: é DIREITO SEU estudar onde você
quiser!!!
6-“Qual o 'Kit Básico de
Sobrevivência Escolar' para um deficiente visual?”
É necessário que você possua a “dupla”
reglete + punção, que são os apetrechos de escrita manual Braille,
e que são IMENSAMENTE mais baratos que a máquina datilográfica
Braille (o preço dela dá pra comprar uns 5 computadores, só para
você ter uma ideia!) … são ideais para você tomar notas rápidas,
além de etiquetar objetos como pastas, CD, etc. Também é bom ter
um computador com leitor/ampliador de telas, para você fazer seus
trabalhos escolares e acadêmicos, além de dispositivos móveis de
armazenamento de dados (CD, pen-drive, etc). É bom que tenha também
um minigravador (um tocador de mp3 simples já ajuda!), pois há
casos em que um leitor de telas não faz a leitura correta de um
texto... e, aí, na hora do aperto, um leitor “humano” lendo um
texto em voz alta e gravando ajuda muito!!!
Já a instituição de ensino, por sua
vez, deve possuir monitores e/ou tutores de auxílio ao professor, a
fim de te dar aquela mãozinha na transcrição e leitura de textos,
de auxílio em tarefas acadêmicas, de ser o mediador entre você e o
professor... Além disso, audiolivros e livros em Braille didáticos
são extremamente importantes na biblioteca, né? Outra coisa que não
pode faltar é a sala de recursos didáticos – com computadores
adaptados para cegos, scanner, impressora Braille, kit de desenho em
alto-relevo... dentre outros equipamentos importantes!!!
7-“Quais cursos
universitários são 'bons' para cego fazer? E quais cursos a galera
que não enxerga deveria 'passar longe'deles?”
Sabe quais cursos você deveria passar
longe, meu querido estudante? Curso para piloto de avião de caça,
de Piloto de fórmula-1, Auto-Escola, Moto-Escola, dentre outros que dependam EXCLUSIVAMENTE DA
VISÃO!!!! Rerrerré!!!
“-Mas, espera aí... para ser piloto
dessas coisas aí acima, se fazem cursos livres específicos... não
cursos universitários... Essa blogueira doidona pirou?” - você deve estar pensando.
Uê, leitor... se você questionou isso,
é porque entendeu “o espírito da coisa” , que eu quis mostrar
de forma bem-humorada, né??? Ou seja: considerando suas habilidades
e limitações, você pode fazer o curso universitário que VOCÊ QUISER!!!! :-) "Bóra" estudar!!!
8-“Sou deficiente visual, e
passei no vestibular de uma universidade que está situada em uma
cidade longe da que eu moro – e para a qual não dá para ficar
indo e voltando todo dia. Apesar da visão comprometida, dá para eu
morar longe do aconchego e proteção da mamãe, tendo independência
e autonomia? Posso morar em pensionato, república ou alojamento
estudantil?”
Já escrevi aqui no blog duas postagens
sobre isso!!! Leia:
9-“Cego pode praticar
atividade física?”
Não só pode como deve!!! Além de
divertir e relaxar do stress cotidiano, ajuda a melhorar a
consciência corporal, a orientação espacial e, de quebra, enxugar
as gordurinhas que porventura estejam alojadas em seu corpinho!!!
Rerrerré!!! Procure ver locais que ofereçam atividades físicas
adaptadas para deficientes visuais. Caso você queira malhar junto
com o “povão que enxerga” mesmo, converse com o
professor/instrutor da academia ou clube, a fim de ele proporcionar
as adaptações necessárias para você praticar a atividade com
segurança.
10-“Como fazer para ver
tevê, filmes, etc? Tô com saudade de ver os figurinos das artistas
durante a minha novelinhaaa!!! E quando passam aquelas cenas 'mudas',
nas quais só fica tocando música e eu fico 'boiando', sem saber o
que tá passando nas cenas, me mata dos nervos... aaaaaffff!!!”
É, realmente isso dá um pouco de stress
mesmo. Existe por aí o movimento para que a Audiodescrição (isto é
, transformar as imagens em legendas sonoras) torne-se obrigatória
para programas televisivos, filmes, etc. Enquanto isso não se torna
realidade,vê se tem alguém aí para dar uma forcinha para você, na
hora de ver tevê ou filme (principalmente se for filme que você é
obrigado a assistir para trabalho de escola ou faculdade...). Caso
contrário, você tem duas opções: uma é tentar se conformar com
as “cenas mudas” e deixar a compreensão plena do enredo pra lá;
outra é juntar com um grupo de cegos e fortalecer o Movimento pela
Audiodescrição que já está rolando por aí. Existe um site bem
legal, chamado “Blog da Audiodescrição”. Quer ir lendo ele,
enquanto isso? Eu recomendo!!!
11-“E quanto à questão da
minha aparência, em relação ao rosto, na área dos olhos? Vou
ficar desfavorável do ponto de vista estético?”
Pra começo de conversa, não é toda
deficiência visual que muda o aspecto de seus olhos, comparado ao
tempo em que você enxergava. Depende da causa da sua cegueira. E,
mesmo que altere alguma coisa na coloração do globo ocular (tal
como ocorre em casos de glaucoma, retinopatia da prematuridade,
dentre outros), o que é que tem? Não vejo problema! Tem muitas maneiras de contornar
isso! Uma delas é usar óculos escuros (peça para alguém te ajudar
a escolher um modelo bem estiloso, bem “fashion”, derrubando
aquele estigma de “óculos-pra-cego”. Que tal? )
Outra maneira é ficar
antenado em outras partes do seu corpo que podem ser valorizadas,
desviando a atenção da aparência dos seus olhos. Ou seja: um corte
de cabelo bem bacana; uma roupa moderna que combine com seu corpo,
jeito de ser e ambiente que você frequenta; cremes para a pele;
unhas feitas (para mulheres), etc... Afinal, esse negócio de
valorizar certas partes do corpo para desviar a atenção de outra
“que o(a) dono(a) não gosta, não se aplica só a cegos! Veja casos
em que a pessoa "boa dos 'zôio' " se sente insatisfeita com altura, ou com peso, ou com
traços genéticos de rosto, cor de cabelo, etc... enfim, quase todos
nós, cegos ou não, frequentemente usamos desse recurso, manjô? ;-)
O mesmo vale para aquelas pessoas que ficaram com visão subnormal e
que se veem obrigadas a usar óculos com lentes muuuuuuito grossas
e/ou de coloração pouco comum!!!
12-“Vou conseguir namorar e
casar? Ter filhos...?”
Claro que pode! Ainda existe gente bacana
por aí, que vai se interessar por você, independentemente de você
enxergar ou não. Já vi tanto cego casado por aí, sendo pai ou mãe
de família!
Evidentemente, ser pai ou mãe cego(a)
vai dar um pouco mais de trabalho, em algumas situações relativas a
tomar conta das crianças, de buscar na escola (por causa da questão
da locomoção), de acompanhar no dever de casa... mas aí já é uma
escolha que varia de pessoa para pessoa, esse negócio de ter filhos
ou não. Tem muita gente por aí que topa o desafio – conta com o
cônjuge, ou mais gente da família, ou babá para ajudar a cuidar...
além , claro, de desenvolver estratégias pessoais para fazer certas
tarefas com as crianças. Então, você pode casar e ter filhos, se
assim o desejar!
13- Como faço para trabalhar?
E para fazer estágio?
Quanto mais estudo e capacitação você
tiver, melhor!!!! Para vagas em instituições privadas, há a
questão da Lei das Cotas, que prevê uma percentagem mínima de
vagas reservadas para pessoas com deficiência. Nos concursos
públicos, também tem essa lei de cotas, a fim de garantir que
deficientes preencham vagas.
Para estágios, também tem essa lei! E
com um detalhe: segundo a lei de estágios, uma pessoa pode estagiar
em uma mesma instituição por no máximo dois anos. Porém, uma
pessoa com deficiência pode ter a PRORROGAÇÃO DESSE
PRAZO! :-) Certinho?
Bom, essas perguntas (respondidas) acima
foram as que vieram na minha cabeça...Pode ser que eu tenha
esquecido de alguma, e que seja bastante “pensada” pelos
recém-deficientes visuais (ou por familiares destes). Você que está
lendo este post: tem alguma pergunta adicional a fazer, e que queira
que seja respondida aqui no blog? Em caso positivo, MANIFESTE-SE JÁ
na seção de comentários, logo abaixo! Rerrerré!!! Corre, corre,
corre! Mãos ao teclado!!! :-)
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